segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

RLi: uma não-monogamia neoliberal? (v2)

RLi é uma proposta de uma não-monogamia consensual, uma forma totalmente livre de se relacionar que prioriza liberdade pessoal [1]. Como destacado em trecho abaixo, antes e acima da coletividade, existem os indivíduos que interagem entre si de forma múltipla e livre, baseados em atração sexual e/ou afetiva [2]. A liberdade individual, ou pessoal, é cláusula pétrea e central das RLi, não atoa o nome dado a elas. Como qualquer outro fenômeno social, o RLi é inseparável de seu contexto histórico. O contexto atual e onde o RLi surgiu é o neoliberalismo.
"Relação Livre é quando a pessoa mantém autonomia e plena liberdade pessoal seja lá qual for a relação sexual/afetiva e em qualquer circunstância de estabilidade."
O neoliberalismo leva - entre outras coisas - a um encolhimento do setor público e predominância do setor privado [3]. Esta política de privatização acaba por permear todos os setores da vida, não se restringindo ao setor econômico. Os espaços urbanos públicos são reduzidos em troca de shoppings, lojas, casas de shows e todo tipo de espaço privado de consumo. Nos centros urbanos, o coração do capitalismo, vizinhos não se conhecem, pessoas não se ajudam na rua. Vivemos em bolhas de individualidade e isolamento. Com o progresso capitalista neoliberal, nossa cultura vai se tornando cada vez mais individualista, influindo no nosso modo de se relacionar. A cultura não-monogâmica não é diferente.
"RLis não negociam sua liberdade sexual-afetiva, o único imperativo de nossos relacionamentos é o desejo (sexual e/ou afetivo) e, assim, não há regras ou acordos de nenhum tipo." [4]
Não quero aqui julgar o mérito desse modo de se relacionar, mas sim chamar atenção para o caráter político individualista que essa ideia possui e reforça, um caráter que já existe e é premiado pela nossa cultura capitalista. O fenômeno de cooptação capitalista [5] é sutil o suficiente para geralmente ser tarde demais quando ele é percebido. Não acho que seja tarde demais, mas o RLi já sofre — ou é — uma cooptação capitalista.

Como não há discussão de acordos entre as pessoas envolvidas, não há negociação de nenhum tipo, conforme trecho acima — apesar de, na teoria, a Rede RLi afirmar que não negocia a liberdade (o que realmente abre para a não negociação de qualquer coisa). Neste ponto fica destacado o caráter individualista, pois com essa atribuição metafísica ao conceito de liberdade, não há oportunidade para formação coletiva de um conceito de liberdade, para uma vivência legitimamente libertária. A liberdade de um muitas vezes atropela a liberdade do outro.

Ao rejeitar a exclusividade imposta pela monogamia, o RLi exclui a necessidade de competição entre as pessoas no "mercado de relacionamentos". Isto é subversivo no ponto em que afasta os relacionamentos afetivos da cultura de consumo e da concorrência tipicamente neoliberal. No entanto, apesar deste ponto, ao se supervalorizar a esfera individual, acaba sendo deixado de lado o estímulo à colaboração entre as pessoas nas diversas esferas da vida, abrindo as portas à cooptação.
"A autonomia emocional e financeira de cada RLi é necessária pra que as relações se concretizem sem que sentimentos de insegurança e medo as invadam ..." [6]
Além do individualismo, a exigência acima, de que as pessoas sejam autônomas economicamente — para dizer o mínimo — exclui as camadas menos privilegiadas economicamente da classe trabalhadora, tornando o RLi acessível somente à classe média. Mais além, isto pode ser considerado capacitismo, pois desconsidera as pessoas que não possuem autonomia por conta de suas limitações constantes (que a sociedade capacitista impõe).

Por isso, o modo de vida RLi é, no mínimo, uma porta aberta para a cooptação capitalista, por ele estar pronto para servir o modo de vida mercantil que vivemos nesses aspectos. Ele segue o direcionamento político de fortalecimento do privado em detrimento do público. Caminho este que já estamos percorrendo com bastante velocidade, infelizmente, com o neoliberalismo.

Em suma, pode-se notar que o RLi já possui de partida pelo menos dois fortes pontos de intersecção com a cultura capitalista que eles mesmos pretendem combater. Todas as idéias e movimentos parcial ou totalmente subversivos estão sujeitos ao fenômeno de cooptação, pelo qual são mitigados e engolidos pelo sistema, sendo adaptados e servindo a ele. Um movimento que já parte de pontos em comum com a opressão do sistema capitalista deve ficar muito atento para não ser cooptado, se ele já não for fruto da cooptação de algo maior - no caso, a própria não-monogamia.

Referências

[1] http://relacoeslivres.com.br/site/essencial-2/relacoes-nao-monogamicas/

[2] http://rederelacoeslivres.wordpress.com/essencial/

[3] http://www.youtube.com/watch?v=e56gaJwr5AI

[4] Yasmin Teixeira, Diferenças entre Poliamor e Relações Livres – delineando alguns conceitos http://amoreslivres.wordpress.com/2013/07/24/diferencas-entre-poliamor-e-relacoes-livres-delineando-alguns-conceitos/

[5] Cooptação do termo situacionista recuperation, retournement, recouvert
http://samcooperwriting.wordpress.com/2012/11/08/the-anxiety-of-recuperation/

[6] Idem

17 comentários:

  1. Acho que você não compreendeu o que é a relação livre.

    A relação livre ela é anti-capitalista, na independencia financeira não significa riqueza, mas sim você não ter uma renda conjunta com a pessoa que você se relaciona, uma outra pessoa não exercer nenhum poder sobre você, seja financeiro ou até mesmo o de moradia, o que não significa que você não pode morar com alguém, mas significa que você visará dividir uma moradia com alguém e não morar na moradia que é do outro (de favor), como em muitas relações monogamicas.

    E no quesito de não negociar sua liberdade sexual e afetiva, está falando de liberdade sexual, na relação não-monogamica outra pessoa não deve dizer com quem você deve ou não se relacionar, saca?

    Por isso à mim seu texto ficou confuso, se quiser me responder ficaria agradecido.

    Grato.

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    1. "na relação não-monogamica outra pessoa não deve dizer com quem você deve ou não se relacionar, saca?"

      Sim.

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  2. "A liberdade individual é cláusula pétrea e central das RLi"

    Começou mal na primeira frase. A liberdade COLETIVA é a clausula pétrea. Se você apenas consegue conceber "liberdade individual" quando ouve a palavra "liberdade", o problema neoliberal é seu e não dos outros (e o problema de falta de informação também).

    A liberdade de que falamos é em termos bakuninistas. Vai se informar e beijos :*

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    1. Nada mais esperado que viessem me atacar pessoalmente. Mas não preciso me informar mais sobre o RLi, porque há pelo menos 2 anos participava do grupo em SP, declinando minha participação no fim. Fiz parte das primeiras reuniões, me relacionei com pessoas declaradamente RLi e citei textos da rede e de militante RLi. Eu me informar mais não vai influir no fato da cooptação capitalista do RLi, muito menos o fato de preferir me atacar do que pensar sobre.

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    2. Você não respondeu o argumento central do comentário dela

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    3. Ela somente afirmou que a concepção de liberdade é outra. Seria legal alguma base para a afirmação. Olhe esta afirmação do site da rede RLi:

      "Relação Livre é quando a pessoa mantém autonomia e plena liberdade pessoal seja lá qual for a relação sexual/afetiva e em qualquer circunstância de estabilidade."

      Liberdade pessoal, acho, é sinônimo de individual.

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  3. Bruno...

    Eu não vou me furtar a analizar seu texto, até por que estou chegando no contexto RLi agora.

    Mas chamar RLi de Neoliberal é claramente uma precipitação da sua parte. As propostas são, minimamente, contrárias ao que afirma, e foi muito simplista e precipitado da sua parte avaliar a proposta como individualista e ~Neoliberal~

    Não acompanhei o histórico todo, mas pelo que eu entendi voce passou uma ou duas semanas acompanhando o grupo do facebook e se meteu em algumas desavenças nos posts por lá, acabou saindo da comunidade.

    Seu argumento todo esta baseado em 3 frases de 2 textos diferentes, 464 caracteres. Dá pra defender qualquer coisa sobre qualquer ideologia usando esse tipo de retórica barata.

    Se você escreveu isso precipitadamente, peço que leia mais sobre a ideologia, e me coloco à disposição para conversar contigo.

    Agora, se isso é algum tipo de tentativa de vingancinha pelo que rolou no facebook, só posso sentir pena.

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    1. Como falei no outro comentário, minha análise se baseia em anos de observação, interação com dissidentes e militantes RLi. Porém isto é irrelevante.

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  4. Nooooossa eu lembro de vc, Bruno Burden! Já discuti contigo, vc tava fazendo victim blaming e reclamando da presença feminista, dizendo que as regras do grupo se aplicarem a homens era misandria etc. hahahaha
    Claro que veio chorar as mágoas no blog, óbviooo

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  5. Bruno, achei a reflexão interessante, seria bom se as pessoas lessem com menos pedras nas mãos e cabeça mais aberta.

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  6. Cara, sério, são tantas inconsistências teóricas no seu texto que estou realmente assustado. Só pra citar a primeira: que ideia estapafúrdia é essa de dizer que um movimento social é neoliberal porque nasceu "neste contexto histórico"? Você inventou um novo tipo de anacronismo: o desonesto intelectualmente. E essa loucura de misturar "fenômeno" (sic) social com movimento social... Isso é de um malcaratismo atroz. Suas "referências" são os textos que você nega. Isso não faz o menor sentido. Mais base, por favor.

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    1. Eu não falei que o RLi é neoliberal, muito menos que é isso por ter surgido nesse contexto histórico. Assustado fico eu com tamanho analfabetismo funcional, ou com a má vontade de ler com a intenção de entender o que o outro está querendo dizer.

      Fora isso, se eu quisesse um orientador de tese de mestrado, eu faria mestrado, não postaria num blog, ok? Se eu não me encaixo em suas normas acadêmicas de discurso, sabe o que eu acho? FODA-SE. Pode levar sua "autoridade acadêmica" para outro lugar.

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  7. Já que vocês adoram ela.

    “Alguém disse que requer menos esforço mental condenar do que pensar” (Emma Goldman)

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  8. Acredito que essa visão é extremamente parcial e tendenciosa, uma vez que desconsidera I vários níveis onde a monogamia cria o indivualismo e promove o capitalismo.

    De fato, grande parte que questiona os valores modernistas questionam também os demais valores morais e verdades impostas, logo pode-se entender que a liberdade afetiva permite um outro tipo de ligação que inclui o outro de forma mais ampla.
    Indo além neste seu mesmo paralelo econômico-social pode-se traçar ligação inrima entre o jovem liberal com os movimentos sociais que desenvolvem pensamentos progressistas e de bem estar social, ou seja, coletivista.

    Minha visão, que não é liberalismo em demasiado, é justamente ao contrário da proposta neste artigo. Uma vez que se o mundo parece de trabalhar em prol de seus pequenos grupos e sim em grandes massas o social irá receber apoio desse pensamento.
    E minha percepção é justamente essa, pois se nunca antes houve tamanho crescimento desse tipo de relação afetiva, também nunca ouve tamanha mobilização do povo a favor de igualdade social.

    Quanto a questão da exclusividade das classes mais favorecidas, esse pensamento é coerente apenas pelo modelo capitalista e os valores morais que são herdados do modelo modernistas do passado. Porém de fato a desigualdade força a monogamia como forma de sobrevivência, uma vez que nas grandes cidades os debaixo precisam de juntar para custar suas vidas e isso é um valor inquestionável mesmo que não percebido de forma clara pelo indivíduo.

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    1. Primeiramente, obrigado pelo comentário civilizado. Eu concordo com você que movimentos sociais em si já são anti-capitalistas, pelo simples fato de mobilizarem pessoas a se organizarem. Porém isso não afasta a possibilidade de cooptação, vide movimento estudantil no Brasil, até o próprio LGBT. Em nenhum momento eu disse que É neoliberalismo, porque não é mesmo.

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  9. Foi mal os erros, é o autocorrect do celular. Rs

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